9.9.13

há tempos que já cogito acabar com este blog. então ele acabou. acabou de acabar. mas claro, pra que coisas novas nasçam etc. haverá outro, pra breve. é só ficar no aguardo.





25.8.13

tudo quer se criar no poema:
o pássaro intermitente,
o relógio de pulso apertando
a tarde amarrotada
o quarto que aguarda

mas não aguarda o poema

o poema nunca é aguardado,
as coisas é que esperam
ser no poema

e o poema se vela
nos quarteirões que percorro
com o intuito de me perder
do alívio da possessão,
que percorro para esbarrar
na imensidão nascitura
das coisas rasas,
no rasante das coisas que ainda não sabem
de sua origem, que ainda não são
o próprio susto

o poema é uma mãe com dois filhos
ela ouve ao mesmo tempo o sono do mais novo, em seu ombro
e o balbucio do mais velho, que há tão pouco
também era sono e pesava sobre ela.
(quando ficou muito pesado
começou a falar e desceu
para que um seu irmão pudesse
também ser o sono)

dois irmãos e o poema.
um segura em sua mão
e o outro dorme em seu ombro
um balbucia enquanto o poema lhe guia
o outro cochila carregado, é a âncora
do poema.

o filho que balbucia acabará por esquecer sua pouca fala
e o que agora fecha os olhos e esquece mais adiante é o que falará
e assim um é o esquecimento do outro
mas só para que o outro possa acontecer

e a mãe é a porta inexplicável
para que aconteçam

para que fique do balbucio e do cochilo alguma coisa
tão poderosa
desse tempo recém saído da eternidade

a mãe é a amálgama do sono e do balbucio
da razão que começa a rebentar disforme
e do silêncio que ainda não precisa dizer
por que silenciar
ela prolonga e aniquila as duas coisas
porque as alimenta e é sua provisão


*

explicação dos irmãos:
há a mãe
e só ela é o poema.
as outras coisas todas competem
para se criar no amor.

23.6.13

.

a noite não se importa
vai por debaixo de qualquer asa
pousa sob qualquer braço

passa
não pede dignidade
não reza por perdão

- que isto tudo é conosco
que temos tanto que pertencer
pra além da noite

a noite não se importa
se não a achávamos noite o bastante
ou se é negra demais, agora
ou alheia demais

se nos tolhe a visão feito carcaça
ou se a tememos como um abutre
- ela não se importa, passa

que tanto aponte sua luz postiça
a escuridão que há tantos séculos resvala

em nada mora, em nada parte,
- nada escolhe, passa

pousa sob qualquer braço
vai por debaixo de qualquer asa




2.6.13

hospedeiro




é como saber que há um parente distante chegando
com meses de antecedência
ou anos, não se sabe
bem
qualquer vislumbre
do que possa ser
véspera
me põe trincando
às voltas com o silêncio

sei que há o primo chegando, mas não me lembro mais
desde quanto tempo
espero

e a própria espera se converte
num outro primo mais distante
ainda

a espera
toma a dimensão de um corpo
enquanto arrisca a chegada
do corpo que se espera

de repente ela já se instalou,
percorre corredores que não havia
me olha próxima e secreta
no espelho do elevador,
no tanque lotado de panos sujos
e calça meus sapatos
enquanto não me decido
se saio ou não saio de casa

e é tanto mais assustador
porque não tenho gatos
ou qualquer outra coisa
que se mexa pelo apartamento

passa algum tempo já virou o tapete da casa
um tapete bruto, macilento
cheio de pó pedindo sol
por favor sol

se escande em cada camada de poeira esquecida
naqueles lugares em que não costumamos olhar poeira
mesmo que espirremos

se denuncia em cada fio dos punhos
esfiapando-se
aos poucos

e então chega uma hora
em que temos muito pouco tempo
pra escrever um poema
ou faxinar a casa
e nos salvar

(as coisas todas são tão somente
feitas de esguelha
e parentescos  mais ou menos achegados
aguardando o sol
e o cheiro bom
das faxinas)

pra se poder receber, então
a intimidade repentina de alguém
que chegue de longe
para nos estender o que lhe é próximo

domingo


o vizinho ouve a tv alto
eu assisto meu silêncio desencontrado
se eu olhar um pouco mais de tempo
a árvore em frente à varanda
verei que chove
se eu tentar ficar
um pouco mais
aqui, estirado, domingo
talvez abarque o ocaso
de algo
antes do ocaso mesmo
às 16:10 verei talvez
outra folha pendendo
ao peso da água acumulada
grave
às 16:17
a tv cessará à distância
o voice over gutural
e antes disso talvez eu já tenha parado
de escrever e tenha esquecido
de prestar atenção nas coisas que acabam

20.5.13



descemos a estrada em familia
quatro sombras adentro do automóvel
tudo não chega
a ser gutural,
é apenas interiorano
e segue.
não vamos mais que isso
agora
quatro moitas ao lombo
dos estofados,
a mãe o pai a irmã e eu

ouço a cantora lírica sem escrúpulos
a cantora lírica
todos ouvem como escapa
tácita e colorida
dos meus fones de ouvido


a estrada é longa 
nem tanto
não sei contar os faróis vermelhos
como vagam
não sei contar
como nos observam
aos pares
esteios ambulantes
tão misturados e desaparecendo
mas sempre aos pares
olhos saturados de os sabermos
a  olhar tanto para trás, e a voz
a mesma, vala 
descendendo a estrada como quem
roça uma antecipação


um filme mal 
começa já nos damos 
conta de que  é um filme
pela escala de movimentos consolados
pelo jeito como pelejam 
os focos de luz
para ficarem meros borrões
adornando a tal da antecipação
vasto rodeio que siga, tantas vezes 
me parecendo
uma linha contínua e quando menos ruma
a estrada vemos a lua 
de outra angulação:
desvio novo





8.5.13

abano

um amigo de nome estranhíssimo. chamá-lo
e ter certeza de que aquilo
que se chama não é
o amigo

mas o próprio nome estranhíssimo
reverberando um réptil esbarra
numa quina de móvel e some
antes de chegar aos ouvidos
do amigo

sobra
o mármore errado de silêncio
e o nosso amigo aparentemente incomunicado
e no entanto
era tudo o que queríamos

foi tanto barulho que ele se vira para ver
o que houve e lá estamos

todos os nomes são estranhíssimos
se são os nomes de um nosso amigo
e se o chamamos pra ver seu rosto

quando isso dá certo
também é estranhíssimo
principalmente quando dá certo
várias vezes

parecemos de posse
de um privilégio miraculoso
comparável ao de quem errasse sempre ao discar o número
e que agraciado pelo ato-falho falasse sempre
com quem realmente quisesse sem querer

dá um fôlego novo quando isso dá certo,
e no entanto sempre soubemos

que chamar pra perto
é  o primeiro e mais estranho
dos abandonos

5.5.13

padaria 24h

da caneta que não arremata nada
tudo remonta a tanto, tudo
se aplica à espera,
ao gole, à fornada
à comanda
de quantas horas se forjará
o arremate? quantos
dias para sustentar
o dia?
a mesma chapa
o mesmo fazedor milagroso
de suco de laranja
e no entretanto:
os parentes dos hospitalizados do samaritano
que vem até aqui a essa hora
sempre mudam com a madrugada
nunca os reconheci


já são 24 h mesa da frente
já são 24 h fronte assomada
já são 24 h franja afrontada
24 h mesmo

é para quem não tem
o que fazer

não tem, mas faz
porque no fundo
sempre fica borra

eu, por exemplo,
tenho aqui um livro que insiste em fazer com que não me lembre

é mais escorregadio do que se pensa
não lembrar

o livro é bom, elucidante
é só que sempre
tenho eu este mesmo console a fim
de lê-lo:

24 h
e mais ou menos
uma padaria de distância

com o café, o sono e o espírito
essa trindade já espirrando maio
o amor contudo sempre se ajeita

num corpo, o amor contudo
o amor
se embebe sempre todo embora

e é esdrúxulo
como essa padaria
sempre assoma

o amor vem numa outra xicara
que deve estar lavando

já serviu tanto por aqui
que é natural não saber
onde ela está


2.5.13


março, mês de desabar
foi o mês em que me esqueci
dentro
de outro frasco
sem tampa
sem nada
o que evaporar

março, algo estancou
tem que chegar perto
pra sentir o cheiro

abril, mês de relento 
meus cabelos ficaram
enormes acabam no olho
pedem a mão de esgelha à cabeca
venta, 
me recuso ainda
a evaporar

maio, maio começa agora
como um rombo
uma gota que recusasse a ferro
seu sumiço

1.5.13


é como desenhar nuvens
se você já fez isso um dia, já viu
que não dá pra parar nem recomeçar
do zero. o jeito é ir
seguindo as imagens que você se acostumou
a acabar guardando no último segundo antes da transformação
e não confundi-las com sua disposição pra exemplificar
só assim se fica convencido
de que elas são tão diferentes umas das outras a todo o momento
e que dizem o mesmo ceu sempre por aproximacao

21.4.13

praça de alimentação da faculdade II

não direi que isto é um circuito fechado
nem que, na verdade, as pessoas, no fundo
não nos falamos
mais que isso, não cairei
na tentação de achar que o engano vem
fácil como um pão de queijo


praça de alimentação da faculdade


passara a tarde toda
sozinho com muito sono
tentando engolir
o primeiro capítulo
sobre primitivismo, 
mais longo que minha sonolência.
agora aqui nada precisa se estirpar
nada é meu demais, a não ser o café, menos,
só o vapor que me embaça os óculos
e só porque é uma mania.
todos conversam entre animados
e esgotados demais para
se exaltarem de verdade
enquanto comem e bebem
eu como e bebo
faz calor na praça de alimentação
a comida do jantar é a mesma do almoço
estou no meio deles com o café
dois pães de queijo frios
e os óculos embaçando-se intermitentemente
em movimentos de deglutir com a cabeça
a realidade em ondas duma
constância nebulosa, sei
que jamais repetirei isto
um grupo levanta-se, é um grupo
que se levanta como
se dissessem em uninosso: "fiquem!,
outros grupos que se levantarão:
este lugar precisa de vocês!
vejam aquele menino de óculos que passou
o dia tão sozinho que nem se deu conta
até encher os ouvidos
dessa vitalidade toda requentada
ele precisa dos joelhos de vocês
ele precisa ver os joelhos de vocês trepidando a ânsia de ir
para casa. ele precisa
ser o único a saber, agora,
que eles se movem debaixo da mesa, secretamente alheios
à discussão do power point... ao mesmo tempo, ele precisa
não fazer idéia
de onde é a casa de vocês"



6.2.13



o dia de repente vira
uma cesta de pentateucos

quando você
me explica:

lê ao contrário

se faz diferença, tanto o teu azul
é assim como ainda
me bascula o vermeer:

a tela esquadrinha a vidraça
que não se vê
e a carta você, por exemplo,
nunca lerá

que a graça está em dar de frente
com a parede branca

(com você da mesma forma)
sob o mapa.

o hebraico desterra
e a manhã se sabe


29.1.13

poema sobre o pintor do ppt


como falar da doçura entre a sinceridade e a doçura
de um pintor diletante ceifando
qualquer crua trama entre o talento e a glória

qualquer crua trama
de ser doce como um pintor diletante que pinta docemente
às vezes é muito realista às vezes
erra como um sketch de anatomia


como falar da doçura de um pintor diletante que crê
que um soldado se ajoelha antes de dormir
e pinta isso de vermelho e ombreiras

como falar de ser doce como um pintor que crê que um pintor
não é capaz de usurpar as coisas
mesmo. então se ajoelha e vai

acordar amanhã
e falará com os seus
do tempo, das guerras,
das migalhas da mesa
ou do desperdicio

das frutas e passarinhos que usa para esfolar
seus pelos de porco

como quem afoga por imaginar o fôlego
mas sabe que continua a respirar


10.1.13

o que fazer com a adolescência I -


0

meu hálito quando não há outra
boca que o tenha
mais estreita e mole que meu quarto

me lembro de você

como duma outra lingua
jamais recuperável

qualquer rombo que se quisesse soletrar soleira
e ficasse sede mesmo

isso foi tudo o que você me ensinou

eu não compreendia a vida muito
bem antes disso


00

  a vida
esse ultimo gole que se lambe à caneca
posto que impossivel de sorver








6.1.13

costura barata


na sala a mãe com dedos engancha botões

numa cela um monge é uma ombreira diante das paredes

numa vitrine a pirotecnia deu num deserto ondulante

o andar de cima repousa a singer coberta de plástico e digitais


non je ne regrette rien deve ser como apertar

play

1.1.13

avario


é comum por aqui encontrarmos pássaros de que não alcançamos o nome
no entanto aparecem, são muito negros e volvem
dum muro de hiper-mercado

é comum por aqui encontrar você
quando esperávamos alcançar um outro silêncio

é comum por aqui ter você longe e vermelho
como um prédio de construção retomada

soerguendo  lento, ruina alavancada
à força de vontade

é comum por aqui ter vontade
sentir a vontade entumescer ao se dar
com os backlights de uma escola de idiomas
em férias

é comum por aqui ter coragem, ter a venta
de sentir fome de um nome que sobrevivesse
às férias, fosse uma hora posta
como um café forte que guardasse
a ventania, vermelha

é comum por aqui encarnar um prédio em construção
acostumado a abandonar a chuva, cada vez

é comum por aqui encontrarmos um pássaro sem espécie
forte feito um café forte
esquecido na imensidão continuada dos dias
no seu cheiro entumescido
de edificio retomado